Autor: Ivo Rafael Silva

(In)consciência de Classe para Gente com Pressa

O português sai de casa e vai comprar o combustível mais caro que alguma vez já comprou à GALP, e pelo caminho ouve na rádio que a mesma GALP acaba de apresentar lucros de 420 milhões de €, uma subida de 153% face ao período homólogo. Depois vai ao Pingo Doce e constata que, do pão à escova de dentes, está tudo muito mais caro, e de passagem lê na banca dos jornais que a dona do mesmo Pingo Doce (Jerónimo Martins) acaba de apresentar lucros de 261 milhões, uma subida de 40% face ao período homólogo. Ao almoço, usa o cartão de refeição Edenred para pagar uma refeição diária, que já aumentou duas vezes no espaço de um ano, e vê no rodapé do telejornal que essa mesma Edenred tivera proveitos de 170 milhões, uma subida de 28%. Depois passa numa papelaria para comprar uma resma de papel para os trabalhos do filho e vê na banca que a Navigator somou lucros de 162 milhões de euros, mais 151% do que no mesmo período do ano passado. Em seguida, pega no telemóvel e lê uma mensagem de alerta de fim de plafond de dados móveis, e ouve na rádio que a NOS lucrou 85 milhões e a Sonaecom 48, que representam subidas de 16 e 20% respectivamente.

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No princípio era a mulher

“No princípio era a Mãe, o Verbo veio depois.” Esta frase de Marilyn French, feminista norte-americana, no seu livro Beyond Power (1985), reorienta-nos na mais que justa reposição da verdade. Essa verdade histórica e científica que é o lugar primordial, fundador e original da mulher na História da Humanidade. Só que através das sombras dos dias, de que resta memória mas não consciência, não muitas gerações volvidas, o reinado que era seu por direito foi substituído, foi derrubado, desprezado e subvertido. Derrubado não pela culpa de um pensamento só, de uma só civilização, de uma religião ou evento isolado, mas de uma espantosa – e terrível – simultaneidade de factores que trouxeram essa herética “inversão” até aos nossos dias.

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Quid est veritas?

A célebre dúvida de Pilatos, trazida até nós pelo evangelho de João (Jo 18, 38), foi sempre tomada como uma das grandes interrogações da humanidade. Durante séculos, filósofos, pensadores, ideólogos, sociólogos, cientistas, historiadores, homens e mulheres, novos e velhos procuraram a grande resposta e, até hoje, sem grande sucesso. Mas quando digo ‘até hoje’, refiro-me literalmente ao presente e marcando desde já, e com toda a segurança, o término dessa longa viagem de crítica e de reflexão. Sim, porque, alvíssaras, já temos uma resposta: a verdade, hoje, é aquilo que cada um pretende que a verdade seja.

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Um desgraçado postal com selo PS, PSD, CDS

É possível que poucos se tenham apercebido disso mas, em Novembro de 2020, os Correios de Portugal completaram 500 anos de existência. Não houve grande celebração, que se tenha notado, nem se terão cantado «parabéns» e por uma razão muito simples: a coisa está mais perto da morte do que dos «muitos anos de vida». Mas o postal que ilustra a desgraça da empresa não é anónimo, tem três siglas. As mesmas que há anos se vêm entretendo a fatiar o serviço público entregando-o às «maravilhas» da gestão privada. O resultado está à vista: de entidade pública sólida, confiável e útil, os CTT passaram ao topo da liderança das queixas dos portugueses.

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O PS sabe bem de que lado está

Foto: STEVEN GOVERNO/LUSA

Não podemos cometer essa insensibilidade de censurar o PS por ter saudades do colinho dos grandes patrões deste país. São muitos anos de ligação. Das origens aristocráticas ao oportunismo pós-25 de Abril, os laços são profundos, as raízes estão todas lá. Mesmo que nunca os tenham verdadeiramente abandonado, e mesmo que, como se sabe, bom filho a casa acabe sempre por tornar, é também certo que a CIP não deixou de protagonizar certos «amuos» pelas poucas mas efectivas políticas que o PS aprovou e que tiveram o cunho do PCP. O que vimos esta semana com a emenda de mão do PS a uma proposta sobre legislação laboral que o mesmo PS tinha aprovado na generalidade há uns meses, veio evidenciar, mais uma vez, à saciedade, que bem razão tinha o PCP ao rejeitar o Orçamento de Estado proposto pelo governo. Quem se coloca desta forma despudorada e às claras, mesmo que em contraponto com decisões anteriores, ao lado de o que defende a vampiragem da CIP, não pode, de modo algum, contar com o apoio dos trabalhadores portugueses.

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Quem quis socialismo na gaveta não vai ter a esquerda num armário

© Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República

Há duas leis que são comuns a qualquer sociedade capitalista: a primeira, é que todos vão acabar por ficar ricos; a segunda, é que se isso não acontecer, a culpa será dos comunistas. Como a primeira nunca acontece, a segunda é sempre certa. Como se sabe, da poluição mundial aos laterais do Benfica, tudo é culpa de comunistas. Há décadas. Ninguém se pode espantar, pois, que nesta questão do Orçamento do Estado para 2022 e de uma provável – mas não necessariamente obrigatória – queda do governo, também assim seja. Mesmo que mais nenhum partido tenha votado favoravelmente a uma proposta que só o PS – repito, só o PS – aprovou.

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PS, PSD, CDS: Cor de Campanha Quando Foge

Ainda sou do tempo em que, da esquerda à direita, não faltava quem acusasse o PCP de esconder a sua imagem histórica atrás da sigla CDU. «Uma farsa», gritavam, «uma aldrabice», insultavam, «uma espertice», avisavam os arautos da «identidade». Não deixa, por isso, de ser absolutamente irónico que, neste ano de centenário do Partido e de campanha eleitoral autárquica, estejamos todos a ver precisamente a antítese dessa pungente narrativa. Enquanto que o PCP decide celebrar 100 anos inundando o país de milhares de bandeiras vermelhas com a foice e o martelo, o PSD faz uma campanha autárquica praticamente sem laranja e o PS mete o punho vermelho na gaveta. O CDS, bem, esse nem sequer conta, porque dentro do bolso do PSD não se lhe consegue ver a cor.

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Candidaturas Tiririca: Quem ganha com isso?

Há uma diferença abissal entre usar humor na política e ter uma política que nada mais procura ser do que humor. Nesta campanha ou pré-campanha para as autárquicas temos assistido a um aumento exponencial de candidatos-palhaço, que exploram com sucesso tudo o que garanta parangonas, de gente que brinca aos outdoors, aos slogans, que anseia pelas partilhas e sobretudo pela fama. Haverá várias explicações para o fenómeno, desde logo pela força presente do terreno virtual, mas uma das que quero aqui salientar é o imanente sentimento de desprezo, de menorização do acto e até dos cargos em questão da parte de quem leva a cabo uma campanha de puro e duro espalhafato. Porque não se trata só de desprezo e menorização do acto eleitoral em si; trata-se de desprezo e menorização da democracia como um todo.

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