Autor: António Santos

R: raça

R: raça

Não há raças humanas, concordam os biólogos. “Raça” é uma categoria inventada a partir do séc. XVI pelo capitalismo embrionário para justificar o comércio de escravos. A escravatura do mundo antigo, por exemplo, não tinha qualquer relação com a cor da pele. Todo o significado político e social da palavra “raça” advém, portanto, das terríveis consequências históricas que essa ficção legitimou: o racismo. Por outras palavras, a ideia de raça só existe por causa do racismo.

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Q: qAnon

Q: qAnon

O Libelo de Sangue foi uma teoria da conspiração da Idade Média que acusava os judeus de raptarem crianças para lhes beberem o sangue. Improvavelmente, no ano do senhor de 2020, a velha lenda ressuscitou sob o rótulo de Pizzagate, desta vez incriminando a “elite globalista liberal” pelo rapto de crianças para abastecimento de rituais satânicos na cave de uma pizzaria de Washington onde ora tinham lugar abusos sexuais ora se procedia à extracção do androcromo, uma espécie de elixir da eterna juventude presente no sangue das crianças. Eis a estância do Qanon, onde se levantam as pedras da história para destapar a ignorância e os vermes. É como se se tivesse definitivamente fechado o parêntese de Gutenberg que, propôs Sauerberg, ditasse o ocaso da era do monopólio do conhecimento mediado pela palavra escrita, convenientemente restringida à autoridade dos sábios e o regresso à oralidade das histórias contadas não à volta da fogueira, mas no caos das redes sociais. Mas não é só isso.

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P: prostituição

P: prostituição

A prostituição não é trabalho: um trabalhador vende a sua força de trabalho e não o seu corpo. Uma mulher prostituída pode até estar inconsciente e ainda assim ser vendida porque aquilo que é comprado é o acesso ao seu corpo, que é usado como um objecto. Ora, ser usado não é trabalhar e os objectos não trabalham. Uma demonstração prática desta tese é que, ao contrário de qualquer outro trabalho, a mulher prostituída não ganha valor à medida que ganha experiência: os consumidores de prostituição preferem usar as mulheres e as meninas mais novas e menos experientes por estarem, tal como objectos, “menos usadas”. A prostituição não pode ser sequer considerada uma profissão (é falso que seja “a mais antiga”) porque, para realmente sê-lo, teria de ser compatível com a segurança e a dignidade das “profissionais”. Quando a taxa de mortalidade é 40 vezes superior à média, quando 80% das mulheres prostituídas é espancada regularmente, 92% quer sair, 68% apresenta sintomas de stress pós-traumático e 22% pensa em suicidar-se, não se trata de uma “profissão”, mas de um inferno.

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O: operário

O: operário

Já não há operários? O proletariado é uma categoria ultrapassada? Qual a diferença entre o trabalhador, o operário e o proletário? A discussão é demasiado extensa e as categorias económicas que dela derivam exigiram muitas mais entradas de verbetes neste dicionário, mas eis as noções básicas:

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Avante, temos de conversar

Olá Avante, estás bom? Olha, vou direito ao assunto: temos de falar. Se calhar até era melhor pessoalmente, porque estas coisas por mensagem… Epá, Avante, ouve: esta cena da longa distância não é para mim. Estamos juntos há quase 20 anos e continuamos a vermo-nos só três dias por ano. Não é isso que estou a dizer. Claro que ainda és o meu tipo, mas esta merda dos amores proibidos não pode durar para sempre, não é?

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N: natureza humana

N: natureza humana

Uma das vacas sagradas da ideologia dominante é a ideia de que a humanidade está condenada pela sua própria natureza a ser para sempre como já é hoje: egoísta e  individualista, pelo que qualquer projecto de sociedade assente noutros valores e contrária a estas características estaria, portanto, condenada ao fracasso.

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M: Materialismo e idealismo

M: Materialismo e idealismo

O idealismo é o processo de pensamento assente no primado das ideias sobre a natureza. Ao contrário dos materialistas, que vêem na natureza a base sem a qual as ideias não existem (não há ideias sem cérebro, não há cérebro sem células, não há células sem átomos, não há átomos sem matéria), os idealistas garantem que a verdade não existe a não ser dentro dos nossos cérebros pelo que as abstracções só se podem entender em função de outras abstracções. É desta forma que os idealistas desligam a verdade da realidade social, histórica e económica, recorrendo ao espírito, à moral e aos impulsos para explicar o mundo. Os materialistas, em sentido inverso, procuram na natureza, nas relações económicas e no contexto social a explicação para a cultura, para a religião e para a ideologia.

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L: lugar de fala

L: lugar de fala

O conceito de lugar de fala parte de duas premissas correctas para chegar a uma conclusão errada. Por um lado, é necessário e desejável que os actores sociais se representem a si mesmos: é claro que devem ser as mulheres a encabeçar as suas próprias lutas; ninguém duvida de que não há ninguém melhor que um operário para falar sobre a luta dos operários e é óbvio que os homossexuais não precisam que os heterossexuais sejam os porta-vozes das suas reivindicações. Por outro lado, também é certo que a sociedade de classes atribui às “verdades” de diferentes actores sociais valores distintos.

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