Autor: Bruno Carvalho

Sem anos de solidão

Eu podia contar-vos tantas coisas dessa terra que nunca pisei mas da qual tanto me falaram. Desse país com nome de conquistador onde os seus habitantes nunca se vergaram ante a opressão. Da Colômbia em que a oligarquia rasga as veias de um povo que nunca deixou de amar no meio da cólera de todos os tempos. Foi para arrancar essa terra e essa gente do silêncio podre que Gabriel García Márquez nos trouxe Macondo. É que Gabo nunca escondeu que pouco recorreu à imaginação. O que lhe custava era a invenção de recursos para fazer da realidade algo verosímil.

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Quatro mulheres de Abril*

Quarenta anos depois da revolução, quatro mulheres falam das dificuldades que passaram, da miséria que lhes roubou a infância e das lutas que travaram contra a dureza dos tempos. De quando, sobre os estômagos dos portugueses, o peso da fome amarrava muitos à sopa dos pobres. E do que se começa a viver hoje em muitas localidades do País e que era sentido de forma brutal pelos trabalhadores durante o fascismo.

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Maldição de Malinche: a esquerda europeísta

Enquanto escuto a mexicana Amparo Ochoa, recordo o entusiasmo sincero de uns e oportunista de outros quando os índios zapatistas se levantaram em armas em Chiapas. Foi a 1 de Janeiro de 1994 e, desde então, não mais cessou a romaria política àquela região da América do Norte. Os mesmos que alimentavam o eurocomunismo e abriam as portas à União Europeia desfaziam-se em simpatias por aqueles rebeldes que subcomandados por Marcos se sublevaram no mesmo dia em que entrava em vigor o Tratado de Livre Comércio entre o México, os Estados Unidos e o Canadá.

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Os que lutam pelo passado e os que lutam pelo futuro

A um dia da manifestação nacional do ensino superior e a poucos dias do 10º Congresso da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), a reitoria da Universidade de Lisboa mandou arrancar o cartaz que estava impresso numa enorme lona presa a uma estrutura na Cidade Universitária. Embora na prática não haja qualquer ligação, a vandalização reiterada de murais e cartazes, na última semana, por membros de organizações nazis demonstra que ideologicamente o objectivo é o mesmo: silenciar a JCP e promover o anti-comunismo.

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Com a semente que Abril deixou

Para muitos, deixar para trás o subúrbio e visitar Lisboa é um luxo. Se partirmos da Amadora e tivermos de usar outro transporte como o metro regressamos a casa com menos 6,90 euros. São os cálculos que faço quando o comboio atravessa a Reboleira. Pela janela, vejo uma cidade destroçada. Arrancaram-lhe a identidade e a quem lá mora pouco mais deixaram do que a miséria de viver agrilhoado sem poder sair do bairro. Ficou-lhes o sabor amargo de terem um dia achado que isto da CEE ia ser como os Jogos Sem Fronteiras. Um divertido intercâmbio sem obstáculos que nos levaria a ser felizes por estarmos mais próximos uns dos outros. Eles, lá na Europa, sabiam das nossas privações.

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O dia em que a lua se vestiu de mulher

Talvez pareça estranho que tenha sido a União Soviética o primeiro país a pôr uma mulher no espaço. À URSS vestiram-lhe tantas vezes a pele de lobo que se torna difícil convencer alguém que tenha sido submetido a pelo menos duas horas de Canal História na sua vida que Valentina Tereshkova, filha de operários, tenha pilotado a sonda Vostok VI, em 1963, e tenha dado 48 voltas ao nosso planeta. A terrível pátria de Lénine, cujas mulheres conquistaram o direito ao voto, ao aborto, à igualdade legal e, progressivamente, à igualdade material, foi efectivamente protagonista de alguns dos maiores feitos na luta das mulheres.

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O bisneto de Maisanta

As imagens repetiam-se uma e outra vez. Onde quer que ele estivesse, transbordava a terra de mulheres e homens com fome de justiça. Numa das vezes, recordo a velha que trazia consigo o incomensurável sofrimento a que toda aquela gente havia sido submetida durante décadas. E se não falo de séculos é porque felizmente ninguém é capaz de suportar a miséria mais do que aquilo que a genética nos permite. Mas eles não esquecem. Nunca esqueceram quem é que aos antepassados encheu as costas de vergastadas. Desde os espanhóis que pisaram as praias venezuelanas, há mais de quinhentos anos, aos heróis que arrastaram multidões e esmagaram a tirania, sabem-lhes os nomes na ponta da língua.

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A Venezuela que cheira a Abril

Sobre a Venezuela, a imprensa portuguesa, em geral, dedica-se a replicar aquilo que compram às agências estrangeiras. Não é por acaso que a TVI anunciava, anteontem, que teriam caído sob as balas do governo três opositores. É mentira. Um deles chamava-se Juan Montoya e era activista na zona onde eu passava uma boa parte do tempo. O Juancho, como era conhecido, pertencia a um dos colectivos bolivarianos do bairro 23 de Enero. Morreu aos 51 anos numa esquina de Caracas quando tentava, ao que parece, defender um edifício público da violência que os protestos da oposição geraram.

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