Para Orquídea era o morto que partia, só ele; e cá em baixo a vida persistia, mas uma vida dissoluta, de madrugada sem forças, (…) A vida tornava-se àquela hora quase intransitável, uma comédia tão torpe, uma beberagem tão repulsiva…
Urbano Tavares Rodrigues in Aves da Madrugada
A cidade de Lisboa, tal como outra qualquer, é um organismo vivo, é uma peça de teatro intempestiva, é um constante improviso que se conjuga numa harmonia que estranhamente flui e faz mexer cada órgão.
Infelizmente, o neoliberalismo, ideologia dominante na Europa, fomentador do individualismo desenfreado, tem tentado impor a ideia da cidade enquanto a forja de mais riqueza para o capital que, por via do trabalho, açambarca a mais-valia de quem todos os dias sai do seu “dormitório” para trabalhar. Aos olhos de hoje, a cidade, em que Lisboa é o exemplo perfeito, não é mais um organismo. É sim, um conjunto de operações de loteamento individuais que, graças à mão imaginária do mercado, se acaba por conjugar e fazer uma cidade. Nada mais é do que um somatório de edifícios e equipamentos que, se magicamente corresponderem a determinados critérios, poderá eventualmente ser considerada uma cidade. Não é um sítio para se viver, nem para se trabalhar. É um sítio para se dormir, com ou sem teto, com ou sem saneamento ou condições. É sobretudo um espaço de aprofundamento das desigualdades e da exploração.
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