«raiva que muito mais doce do que mel a escorrer
aumenta como se fosse fumo nos peitos dos homens»
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Jornalismo, o elogio fúnebre
Diz-se que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade. E o jornalismo, que já corria perigo de vida, viu a guerra matá-lo e enterrá-lo, definitivamente, com a cobertura recente dos acontecimentos na Palestina. Ao contrário do que se esperava e discutia amiúde, não foram as redes sociais a matar o jornalismo, mas os jornalistas nas redes sociais a matar a sua credibilidade. O jornalismo parece ser secundário.
Gaza, o campo da morte certa
O levantamento da resistência palestiniana, nos últimos dias, contra o estado apartheid de Israel, fez voltar os holofotes das secções de Internacional dos media para o habitual branqueamento dos crimes de Israel e a diabolização da resistência palestiniana. Em primeiro lugar, pelo apagamento sistemático dos crimes de Israel contra civis palestinianos, que ocorrem todos os dias, sem exceção, há décadas. Em segundo, atribuindo ao Hamas todas as ações dos últimos dias, que envolvem também a morte de civis, procurando reduzir àquele movimento a resistência palestina.
As mãos de Víctor Jara
11 de Setembro de 1973. Avançava, Santiago adentro, o golpe militar fascista financiado pela CIA – e antecedido por um bloqueio económico – que levaria Augusto Pinochet ao poder. Ao longo dos 17 anos que se seguiram, muitos foram perseguidos, mortos, torturados, presos ou exilados, por se oporem à ditadura militar, fruto do famigerado Plano Condor, que se propôs, através da repressão, a desmantelar quaisquer tentativas de construção do socialismo, na América Central e do Sul, introduzindo ainda políticas de mercado livre cujas nefastas consequências se vêem ao longe.
Hiroshima nunca mais!
Há 78 anos, com o Japão já encostado às cordas ao fim de 4 anos da guerra no Pacífico e o Exército Vermelho em condições de se juntar aos aliados nesse teatro de guerra, os EUA antecipam-se pelo controlo do Pacífico e largam uma bomba atómica em cima de Hiroshima, a Little Boy, uma bomba de Urânio. 70 mil pessoas tiveram morte imediata numa bola de fogo e luz mais quente que a superfície do Sol, tão quente que as sombras das vítimas e de outros objectos ficaram gravadas no chão e nas paredes em que foram projectadas. Outras 69 mil pessoas ficaram contaminadas pela radiação nesse momento e acabaram por falecer, dias, meses ou anos mais tarde, das consequências dessa contaminação – no Japão chamam-lhes Hibakusha – “vítimas da bomba”. Um número incalculável de pessoas de gerações posteriores continuou a nascer e a morrer com malformações, cancro, leucemia e outras complicações, uma consequência da contaminação radioactiva. Nesse mesmo dia, o governador de Hiroshima informou o imperador Hirohito que um terço da população morreu e dois terços da cidade foram destruídos.
Uma chamada à consciência global
A luta por ambiente ecologicamente equilibrado e sadio tem ganhado, ao longo dos últimos anos, especial atenção por parte da população e tem reunido esforços redobrados por parte de vários setores da sociedade. Porém, quando nos deparamos com a retórica ambientalista, geralmente, intrinsecamente liberal, vem muitas vezes atrelado um discurso pacifista altamente enviesado, classista e até neocolonialista. Tal é visível no que diz respeito à postura que assumem perante os conflitos globais, num dilema entre “guerra boa” e “guerra má” e, por outro lado, num paradoxo de condenação dos países menos desenvolvidos que procurem trilhar o seu caminho de desenvolvimento, quando o norte global nunca foi impedido de cometer erros pelos quais ainda hoje andamos a pagar a fatura.
Olas de Recuerdo
Durante a noite, recebi a notícia da morte do comandante Iván Márquez. Entornei um pouco de rum num copo e bebi-o de um trago ao som de Julian Conrado. Lembrei-me daquela manhã em que os guerrilheiros se riram comigo. “Que raio de narcoguerrilha é esta sem álcool nem drogas?”
“Periodista, nosotros no producimos drogas. Cobramos impuestos a los que las producen. Aquí es prohibido consumir drogas y solo se puede tomar alcohol en celebraciones especiales”. A verdade é que não toquei numa gota de álcool naquele mês, em 2017, quando estive escondido com as FARC nas encostas da Sierra del Perijá. O processo de paz já tinha começado mas os principais comandantes diziam-me que era proibido o acesso permanente de jornalistas dentro dos acampamentos. Então, meteram-me no coração daquela cidade de ‘cambuches’, como chamavam às construções artesanais de barracas de madeira e tela, onde dormiam os guerrilheiros. Eu dormia numa tenda com um camuflado militar e todas as manhãs, sem falta, às cinco, um combatente, geralmente, o que estava de turno de guarda, ia de cambuche em cambuche simulando o chilrear de um pássaro para nos acordar a todos.
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Quando se nasce junto ao mar, em terra de pescadores, sabemos bem como é viver com o medo do mar, que, de tempos a tempos, enterra vidas sem dó nem piedade. Aprendemos, antes de mais, a respeitar o mar e ainda mais aqueles que dependem dele para viver. Em Portugal, onde nos fartamos de exaltar feitos marítimos, temos este país inclinado para o mar, que há de ser a nossa desgraça, enquanto não olharmos para dentro e percebermos que as assimetrias não são entre Lisboa e Porto, mas sim entre Lisboa, Porto e o resto do país. Mas voltemos ao mar.