Quem quis socialismo na gaveta não vai ter a esquerda num armário

© Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República

Há duas leis que são comuns a qualquer sociedade capitalista: a primeira, é que todos vão acabar por ficar ricos; a segunda, é que se isso não acontecer, a culpa será dos comunistas. Como a primeira nunca acontece, a segunda é sempre certa. Como se sabe, da poluição mundial aos laterais do Benfica, tudo é culpa de comunistas. Há décadas. Ninguém se pode espantar, pois, que nesta questão do Orçamento do Estado para 2022 e de uma provável – mas não necessariamente obrigatória – queda do governo, também assim seja. Mesmo que mais nenhum partido tenha votado favoravelmente a uma proposta que só o PS – repito, só o PS – aprovou.

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R: raça

R: raça

Não há raças humanas, concordam os biólogos. “Raça” é uma categoria inventada a partir do séc. XVI pelo capitalismo embrionário para justificar o comércio de escravos. A escravatura do mundo antigo, por exemplo, não tinha qualquer relação com a cor da pele. Todo o significado político e social da palavra “raça” advém, portanto, das terríveis consequências históricas que essa ficção legitimou: o racismo. Por outras palavras, a ideia de raça só existe por causa do racismo.

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Q: qAnon

Q: qAnon

O Libelo de Sangue foi uma teoria da conspiração da Idade Média que acusava os judeus de raptarem crianças para lhes beberem o sangue. Improvavelmente, no ano do senhor de 2020, a velha lenda ressuscitou sob o rótulo de Pizzagate, desta vez incriminando a “elite globalista liberal” pelo rapto de crianças para abastecimento de rituais satânicos na cave de uma pizzaria de Washington onde ora tinham lugar abusos sexuais ora se procedia à extracção do androcromo, uma espécie de elixir da eterna juventude presente no sangue das crianças. Eis a estância do Qanon, onde se levantam as pedras da história para destapar a ignorância e os vermes. É como se se tivesse definitivamente fechado o parêntese de Gutenberg que, propôs Sauerberg, ditasse o ocaso da era do monopólio do conhecimento mediado pela palavra escrita, convenientemente restringida à autoridade dos sábios e o regresso à oralidade das histórias contadas não à volta da fogueira, mas no caos das redes sociais. Mas não é só isso.

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Marxismo e Darwinismo – A Definição da Humanidade

Karl Marx e Charles Darwin são não só dois pensadores revolucionários atendendo ao envolvente científico do século XIX, como emergem como os maiores e mais duradouros transformadores sociais até aos dias de hoje. Para além das obras e legado deixados, por um e por outro, e do seu intelecto, capacidade de análise e inovação de pensamento, a sua modernidade não está dissociada de terem sido contemporâneos por um lado, e, por outro, das relações que estabeleceram directa ou indirectamente entre si e as suas linhas de pensamento.

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A “esquerda” pró-imperialista

“As ideias da classe dominante são, a todo o tempo, as ideias dominantes. Isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo a sua força intelectual dominante”, K. Marx in A ideologia Alemã, 1845
Claro que apenas uma leitura de todo o capítulo “Oposição das perspectivas materialista e idealista” pode ajudar-nos a ter uma perfeita compreensão da extensão do significado desta afirmação de Marx, bem como a compreender as suas implicações históricas e a sua abordagem dialéctica, mas deixemos isso para o leitor mais afoito da obra e tentemos partir daqui para uma abordagem do panorama político e ideológico actual, numa tentativa de aprofundar uma descrição da “esquerda de direita” que ao longo do nosso tempo sempre cumpre com afinco o papel que o dono lhe destina.

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P: prostituição

P: prostituição

A prostituição não é trabalho: um trabalhador vende a sua força de trabalho e não o seu corpo. Uma mulher prostituída pode até estar inconsciente e ainda assim ser vendida porque aquilo que é comprado é o acesso ao seu corpo, que é usado como um objecto. Ora, ser usado não é trabalhar e os objectos não trabalham. Uma demonstração prática desta tese é que, ao contrário de qualquer outro trabalho, a mulher prostituída não ganha valor à medida que ganha experiência: os consumidores de prostituição preferem usar as mulheres e as meninas mais novas e menos experientes por estarem, tal como objectos, “menos usadas”. A prostituição não pode ser sequer considerada uma profissão (é falso que seja “a mais antiga”) porque, para realmente sê-lo, teria de ser compatível com a segurança e a dignidade das “profissionais”. Quando a taxa de mortalidade é 40 vezes superior à média, quando 80% das mulheres prostituídas é espancada regularmente, 92% quer sair, 68% apresenta sintomas de stress pós-traumático e 22% pensa em suicidar-se, não se trata de uma “profissão”, mas de um inferno.

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20 anos de terror no Médio Oriente

O maior ataque terrorista da história aconteceu em Hiroxima e Nagazaki, em Agosto de 1945, com a utilização de bombas nucleares contra a população civil de um país já derrotado. Essa é uma das páginas mais negras da história da humanidade. Os Estados Unidos provocaram cerca de 200 mil mortes em apenas dois dias. Não se trata de desvalorizar a tragédia de 11 de Setembro de 2001 mas antes de combater a narrativa mediática que tenta apontar os ataques em território norte-americano como o maior ataque terrorista da história.

O que faz dos ataques, que agora registam duas décadas, marcantes é terem acontecido em solo norte-americano e é terem espoletado consequências no curso da história dos últimos 20 anos. Não é preciso recorrer a teorias da conspiração para afirmar que os mesmos a quem se atribui os ataques foram financiados, treinados e armados pelos Estados Unidos. A Al-Qaeda teve o apoio da Casa Branca antes e depois dos ataques, em diversos cenários de guerra.

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Afinal o que importa não é a literatura

Das armas e os barões assinalados da epopeia ao povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas da anti-epopeia, talvez sejamos tudo isso, mas será que agora importa? Talvez sejamos barões e burros de carga; tudo daí para cima e para baixo, mas será que ainda nos servem de alimento real e concreto as epopeias e as anti-epopeias? Será que vamos continuar a deixar que nos definam, do alto, enquanto povo, a deixar que a literatura dos outros diga ao mundo e à história dos vencedores o que fizemos e não fizemos, se vamos além da Taprobana ou que não vamos a lado nenhum? Afinal o que importa? Será a literatura que vemos ao longe e nos dá força ou nos deita abaixo; que ora nos cega com glórias do passado, ora nos agarra pelo colarinho e nos acusa de catalepsia ambulante? Não é a literatura, senhores. Nem a crítica de arte nem a câmara escura. Não é, pelo menos, a literatura lá de longe.

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