Ainda sou do tempo em que, da esquerda à direita, não faltava quem acusasse o PCP de esconder a sua imagem histórica atrás da sigla CDU. «Uma farsa», gritavam, «uma aldrabice», insultavam, «uma espertice», avisavam os arautos da «identidade». Não deixa, por isso, de ser absolutamente irónico que, neste ano de centenário do Partido e de campanha eleitoral autárquica, estejamos todos a ver precisamente a antítese dessa pungente narrativa. Enquanto que o PCP decide celebrar 100 anos inundando o país de milhares de bandeiras vermelhas com a foice e o martelo, o PSD faz uma campanha autárquica praticamente sem laranja e o PS mete o punho vermelho na gaveta. O CDS, bem, esse nem sequer conta, porque dentro do bolso do PSD não se lhe consegue ver a cor.
Autor: Ivo Rafael Silva
Candidaturas Tiririca: Quem ganha com isso?
Há uma diferença abissal entre usar humor na política e ter uma política que nada mais procura ser do que humor. Nesta campanha ou pré-campanha para as autárquicas temos assistido a um aumento exponencial de candidatos-palhaço, que exploram com sucesso tudo o que garanta parangonas, de gente que brinca aos outdoors, aos slogans, que anseia pelas partilhas e sobretudo pela fama. Haverá várias explicações para o fenómeno, desde logo pela força presente do terreno virtual, mas uma das que quero aqui salientar é o imanente sentimento de desprezo, de menorização do acto e até dos cargos em questão da parte de quem leva a cabo uma campanha de puro e duro espalhafato. Porque não se trata só de desprezo e menorização do acto eleitoral em si; trata-se de desprezo e menorização da democracia como um todo.
PS e a Ferrovia: A Memória Curta
O PS e, em particular, o sonoríssimo e ufano Pedro Nuno Santos, têm andado numa roda viva de anúncios e gabarolices a respeito de medidas tomadas em relação ao sector ferroviário nacional. De súbito, o PS parece ter-se tornado no partido «dos comboios», no arauto da «recuperação da ferrovia», do «salvamento das máquinas ao abandono», do investimento e da promoção de um transporte até aqui efectivamente deixado ao abandono. Tudo estaria certo e seria merecedor de aplauso não fosse a colossal hipocrisia que todo o aparato propagandístico não deixa de ocultar. Afinal de contas, este PS, que é o mesmo e não outro, foi também de forma inequívoca um dos grandes responsáveis – por acção directa e por omissão – pelo abandono, pela destruição, pelo enfraquecimento da ferrovia em Portugal nas últimas décadas.
PAN: O Partido de Estimação do Capital
Quando o sistema capitalista se sente ameaçado reage. Defende-se. Ataca. Se puder, aniquila o adversário, derruba o obstáculo, impede o seu crescimento. Com inúmeros tentáculos, tantos quantos os seus múltiplos interesses, não é por outro lado expectável que leve ao colo ou seja mansinho face a quem possa minimamente pôr em causa o seu domínio selvático. Vem isto a propósito da completamente desproporcionada atenção mediática que o PAN e o seu congresso tiveram nos media durante os últimos três dias. E a conclusão é simples: o PAN é um partido “de estimação” do sistema, amigável, de ecologia fofinha, que como não belisca interesses instalados tem neles direito a um “colinho” como nunca se viu com partidos ou movimentos ecologistas.
O Sapateiro, o Rabecão e a Idade das Trevas
A Idade Média foi ganhando o timbre de ser ou ter sido a «idade das trevas». Mas essa fama tem sido já competentemente contraditada pela historiografia séria. Sucede, pois, que esse epíteto, outrora imaginado sobretudo por aqueles que viam na ausência de cristianismo o caos da civilização, é muito mais válido nos tempos actuais do que em qualquer outro período da história até aqui conhecida. A negação da ciência e do método científico em níveis estratosféricos; a ascensão meteórica do «oculto» e do «inexplicável» como razões, princípios e fins, em si mesmos; o triunfo mediático da dúvida insincera baseada não na vontade de saber, mas no propósito de estabelecer uma correspondência com a crença ou a convicção interior; a assunção de que «todos nos estão a enganar» e há «interesses instalados» nas mensagens e ideias veiculadas pela ciência, suposição essa que, curiosamente ou nem tanto, nunca é colocada no âmbito do poder financeiro (que efectivamente engana e que efectivamente controla tudo e todos).
Uma UE a brincar com a saúde dos cidadãos
Toda a estratégia de aquisição centralizada das vacinas foi, como já todos percebemos, um autêntico desastre. Em face das críticas públicas de alguns chefes de estado, a própria comissão não teve como não assumir publicamente algumas das falhas. A extrema lentidão da Agência Europeia do Medicamento no que toca à aprovação/autorização de vacinas, facto que alguns tomaram de forma falaciosa por «precaução» e «exigência» da autoridade, parece ter sido afinal uma mistura de burocratismo com «contemporização política». No meio disto tudo, como sempre, houve os que saíram a perder e os que saíram a ganhar. Entre a população e as farmacêuticas, entre fomentar um serviço e alimentar o sistema, a estratégia da UE assentou no lado em que sempre esteve e que corresponde à sua natureza federalista e capitalista. Estranho seria que a UE montasse uma estratégia desinteressada de franco serviço público, e isso, como se vê, nem debaixo da realidade trágica de uma pandemia.
O Polígrafo Mente
E de forma descarada. Numa publicação de alegado «fact-checking», assinada pelo aferidor da verdade de serviço Rui Oliveira Costa, foi imputada a João Ferreira uma declaração segundo a qual o candidato apoiado pelo PCP «não defende a saída de Portugal do Euro». Nada mais falso, pela simples razão de que não foi isso que João Ferreira disse. Ora, o que João Ferreira disse ontem, no debate com Ana Gomes, cujo vídeo está aí em toda a parte para ser visto e revisto por qualquer pessoa, é que «não defende a saída de Portugal da União Europeia». Contudo, e como se isto não bastasse, o texto tem determinados «requintes» que importa aqui salientar. É que não se trata só da propagação de um conteúdo falso, de uma atribuição grave de declarações falsas, mas de toda uma redacção de texto que visa sustentar a mentira de forma confusa e manipuladora.
O estranho caso do jornalismo-comentador
Tem grassado crescentemente uma certa “estirpe” nas nossas televisões, rádios e jornais, um subtipo específico de comentadores que deve merecer toda a nossa atenção. Não falamos de óbvios militantes assumidos deste ou daquele partido, nem sequer daqueles que sempre foram comentadores, ainda que nada o pudesse ou devesse em algum momento justificar. Referimo-nos a uma moda relativamente recente, talvez mais perigosa, sub-reptícia, mas cada vez mais incisiva e presente. Referimo-nos a jornalistas, pivots, repórteres, “polígrafistas”, que, de vez em quando, saltam de uma cadeira do estúdio para outra cadeira do mesmo estúdio, mas agora para assumir o papel de “comentador”. Regra geral, é quando acontece esse momento televisivo «mágico», mas pleno de embaraço e constrangimento público, em que o entrevistador trata o entrevistado e seu colega por “tu”, estendendo a passadeira da relevância a quem dele em nada se distingue.