Desde que foi apeada do poder, onde se propunha continuar a infernizar a vida aos portugueses que vivem do seu trabalho (ou que sobrevivem por não ter trabalho), a direita tem-se servido do argumento da politização da política para atacar aspectos particulares da acção do actual governo, em especial aqueles que têm sido concretizados com o voto favorável dos partidos à esquerda do PS. Não se trata de coisa nova: basta recordar a célebre tirada de Victor Gaspar na AR, quando em resposta a uma deputada fez questão de recordar que, apesar de ser o mais influente membro do governo de Pedro Passos Coelho, não havia sido eleito “coisíssima nenhuma”.
Todos os artigos: Nacional
Será o glifosato uma questão fraturante?
Ontem, na Assembleia da República – com os votos favoráveis do PS, BE, PEV e PAN e votos contra do PSD, CDS-PP e PCP – foi chumbada uma proposta do Bloco de Esquerda que pretendia proibir «a aplicação de produtos contendo glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação». O BE classificou o voto do PCP como uma acto sectário (ver texto de Nelson Peralta), alegando que o PCP alterou a sua posição, tendo apenas votado contra por se tratar de uma proposta do Bloco. A comunicação social prestou-se à charanga com títulos como «Estalou o verniz entre BE e PCP?» (Jornal i) e «Glifosato divide PCP e BE» (TSF).Para uma leitura mais sóbria da situação há que separar questões distintas, umas políticas (quais as posições do BE e PCP sobre o glifosato?; qual a natureza da proposta do BE?; como justificou o PCP o seu voto?) e outras científicas (o que é o glifosato?; que evidências existem que faça mal à saúde?).
Os da fila de trás
Quando eu era miúda e se juntava a tropa toda que não gostava do «Ramiro» porque era «repetente» (sim, estou a citar o Bruno Aleixo), era fácil para a maioria dos miúdos rir e gozar sem querer saber o porquê.
A minha turma tinha essencialmente filhos de operários de fábricas de calçado e cortiça. Sabíamos sempre quem eram os corticeiros porque normalmente faltavam-lhes dedos. Alguns eram filhos de médicos, advogados e professores (cerca de 7%), e uns poucos (ainda menos) de trabalhadores dos serviços (comércio, etc). A professora gostava que os 7% se sentassem sempre na fila da frente. Seguiam-se-lhes os dos serviços, e, por ordem, os do calçado e depois os da cortiça – eram os mais pobres.
Erro de paralaxe
O erro de paralaxe é o erro que corresponde à aparente variação de posição de um determinado objecto em função da posição do observador. Na política, todos somos afectados por esse erro. Cada um de nós, combatendo ou não esse efeito, interpreta o mundo e os fenómenos políticos em função da perspectiva, do posicionamento político, da posição de classe social que integra ou com que se identifica. Mesmo podendo separar os campos de interpretação em duas grandes áreas de perspectiva: a idealista e a materialista, dentro de cada uma dessas áreas, cabem interpretações várias de um mesmo fenómeno.
Liberdade editorial versus liberdade de expressão
“Mas não é por acaso que se vê, de cada vez que se avançam perspectivas para uma beneficiação e elevação dos programas televisivos, que os remédios válidos mostram ser sempre e só remédios de ordem política; só a ideologização do meio técnico pode mudar o seu cunho e a sua direcção. Mas a ideologização não significa “partidarização”; significa apenas imprimir na administração do meio uma visão democrática do país; bastaria dizer: usar o meio no espírito da Constituição e à luz da inteligência. Todos os casos em que a nossa televisão tem dado boa prova de si, no fundo, não foram mais do que deduções correctas deste teorema.” (Umberto Eco em Apocalípticos e Integrados, 1964).
Foi esta semana conhecido o Barómetro de Comentário Político Televisivo Maio 2016, um trabalho do Laboratório de Ciências de Comunicação do ISCTE-IUL. E vale a pena a sua leitura e análise.
O Fernando Rosas e o Arnaldo Matos entram num bar…
Sentados ao mesmo balcão, o Fernando Rosas e o Arnaldo Matos têm a leve impressão de se conhecerem de algum lado. Trocam olhares desconfiados, mas permanecem silenciosos, dobrados sobre os copos de uísque e com cara de poucos amigos.
IRS à moda da direita
Vamos a contas. Declaração de IRS relativa aos rendimentos de 2015. Declarei 3.854,70€, todos relativos a rendimentos como trabalhador independente, vulgo recibo verde. Tirando uns 15% deste valor, mais coisa menos coisa, este dinheiro foi recebido na também vulgar condição de falso recibo verde, ou seja, devia ter tido contratos de trabalho, a prazo, nos casos em questão. Durante o ano fui juntando 2+2 e portanto não fiz retenções na fonte, achando que, a exemplo dos anos anteriores e com tão pouco rendimento, ficaria a zeros no deve e no haver.
Continuando. Parece que com este valor de rendimento, a Autoridade Tributária aplica, sobre 75% do rendimento, uma taxa de 14,50%. Ou seja, não tendo eu dependentes e não tendo pessoas a cargo, insiro-me no quociente familiar 1. Ora isto resulta em quê? Resulta que 419,20€ teriam de ser pagos ao Estado. Ora como fui pedindo facturas ao longo do ano, atingi um valor de deduções à colecta de 286,28€. Para além disto, tenho um benefício municipal de 1,33€, obrigado Câmara Municipal de Viseu.
VI Lénine, a caminho de Lisboa

Antes de morrer, em 1924, o revolucionário russo Vladimir Ilitch Ulianov, também conhecido como Lénine, foi vítima de terríveis alucinações. Febril e quase paralisado, recorda a sua irmã Maria, chegou a pedir veneno a Stáline para acabar o suplício. Até aqui tudo é histórico.
Segundo o próprio, em Janeiro desse ano, o médico mandou-o apanhar um comboio para Lisboa, onde deveria ser examinado por um médico famoso. Contudo, ao chegar a Lisboa, Lénine depara-se com um mundo estranho que, dizem os jornais, é 2016. Confuso e frustrado, depois de uns dias a vaguear pela cidade, o líder comunista decide regressar à Rússia. É à espera do comboio, em Santa Apolónia, que o encontramos, humano, lúcido, intempestivo e a lutar para compreender quem é que afinal, no meio desta realidade surrealista, está mesmo a alucinar. É esta, grosso modo, a história da peça de teatro «A Última Viagem de Lénine», que a associação Não Matem o Mensageiro estreia em Outubro, no Teatro da Trindade, quando a revolução russa celebra 99 anos.