Altice, Altice…

A noção de família está em constante mutação. Ela diverge não só na sociedade mas também em cada indivíduo. O que para um significa viver sozinho, sem filhos, para outro significa viver com um ou uma companheiro/a, sem filhos, para outros, com filhos. Esta mutação tem gerado um intenso debate com as naturais complexidades que se nos colocam ao encontrar soluções para dar resposta legal a assuntos que talvez há uma década nem sequer se pusessem. É o caso, por exemplo, dos enteados (palavra tão negativamente carregada) que não têm direitos na sua relação com os padrastos e madrastas e até hoje apenas em França se encontrou uma forma de ir resolvendo com legislação sobre co-parentalidade.
São dez da manhã e ele não estava lá. Não sei ao certo há quantos meses o conheci, talvez seis, talvez mais. Costumava estar ali, na rotunda do Marquês de Pombal, com a constância das manhãs e da estações, a entregar o Destak ao enxame que desagua do metro sempre à mesma hora. Alto, passo firme, ágil a entregar os jornais, gorro encarnado bem seguro sobre a calva. A pele negra e gasta dava-lhe um ar amarrotado de quarenta anos, mas os olhos adolescentes traíam-no. As primeiras vezes que me estendeu o jornal, só aceitei porque custa mais despachar dois mil jornais do que deitar um no lixo. Nunca tenho tempo para o ler e aquele jornalismo telegráfico e gratuito, que pontua como asteriscos as grandes publicidades a champôs, envergonharia até a secção “Insólitos” do Correio da Manhã.
Passos Coelho devolveu a Ricardo Salgado a carta em que o banqueiro apelava a uma intervenção do Governo na salvação do Grupo Económico. Mas Ricardo Salgado leu-lha. Passos Coelho fica assim liberto da prova material, mas isso não o iliba do facto de ter sido um dos que soube do conteúdo da carta, tal como a Ministra das Finanças e o Presidente da República a que se acrescenta Durão Barroso, o extraordinário português que tanto beneficiou a sua pátria ao desempenhar os mais altos cargos internacionais.
Há 14 dias, escrevia-se aqui que Paulo Macedo continuava sem se demitir, após duas mortes em salas de espera de hospitais. Hoje, o número chegou a oito e continua a não haver notícias de demissão. Nem notícias do ministro, que apareceu há cerca de uma semana a dar umas desculpas esfarrapadas, em jeito de “vamos apurar” e “vamos investigar”. Esta espécie de país está assim. A morrer aos bocadinhos, à espera, ao abandono, às mãos de criminosos, às vontades que já não são obscuras – são clarinhas como água – de um bando. Não é um gangue porque a intimidação é mais subtil e surge através de taxas moderadoras que de moderadas têm quase nada.
A crise europeia continua bem presente nas nossas vidas, quem só ouvir os discursos da propaganda habitual poderá, por breves momentos, pensar que vivemos na Europa do progresso e que estes anos de recuo foram um lapso que será rapidamente corrigido por actos messiânicos, que prometem elevar a União Europeia (UE) à sua posição de potência mundial. A realidade mostra-nos uma UE a trote dos poderosos, um mercado único que vende a dignidade humana como outra qualquer commodity e políticas comuns que acentuam a, já evidente, divergência entre países. O domínio económico cresce com as assimetrias de crescimento impostas pelos mecanismos criados e apoiados por PS, PSD e CDS. Pelo caminho, o capital voraz serve-se dos reféns do euro para engolir todos os serviços públicos e funções sociais do Estado, sobre a égide das que se chamam “reformas estruturais”. Aos trabalhadores ficam as dívidas ilegítimas, deixadas para trás por governos em conluio com a alta finança, que especulou, e especula, com dinheiros público e privados num deboche cuja dimensão estamos longe de saber o fim.
Em 2008 era assim. Por incrível que pareça, e apesar da campanha ideológica de apologia da distribuição de rendimentos do Ocidente, a verdade é que cada um dos 100 mil portugueses mais ricos têm um rendimento superior a cada um dos 13 500 milhões mais ricos da República Popular da China ou do que cada um dos 12 milhões de indianos mais ricos.
Apesar de os Estados Unidos terem um PIB 60 vezes maior que o de Portugal, e apesar de os 1% americanos corresponderem a 3.200.000 pessoas (32 vezes que os 1% portugueses) cada um dos 1% mais ricos de Portugal conseguem obter praticamente o mesmo que cada um dos 1% mais ricos americanos. Quem é que anda a viver acima das nossas possibilidades?
Que o João Labrincha (quem? pois.) confunde bastante a realidade que existe com a realidade que ele gostava que existisse, já todos sabemos. Que gostaria de ser um grande líder dos intelectuais e dos burgueses, também sabemos. O que não sabemos de João Labrincha?