Diego de los pueblos

Todos os anos, sem excepção, a direita, do PS ao Chega, celebra o 25 de Novembro. São muitos os que defendem que esta data passe a figurar no calendário como feriado nacional. Porquê? Porque consideram que foi um dia decisivo para derrotar aquilo a que continuam a chamar de ameaça do comunismo.
Ou seja, os militares que impuseram uma pesada derrota sobre o processo revolucionário que amanheceu a 25 de Abril do ano anterior e que acelerou a 11 de Março de 1975 devolveram o país à Europa Ocidental. Foi uma dinâmica lenta porque encontrou pela frente a resistência dos trabalhadores e do povo mas que conseguiu a integração de Portugal na CEE, a privatização da banca, a destruição da reforma agrária e o desmantelamento do aparelho produtivo.
Dez meses.
Desde a primeira declaração de Estado de Emergência até hoje, passaram-se dez meses. E qualquer pessoa com dois dedinhos de testa já percebeu que não vai ficar tudo bem. A economia não vai recuperar magicamente quando estivermos todos ou imunes ou vacinados ou mortos. Os postos de trabalho que foram destruídos com a pandemia não vão ser recuperados tão cedo, pura e simplesmente porque durante este período de dispensa de trabalhadores com contratos precários, em período experimental, com os layoffs, e todas as outras formas de reduzir prejuízos ou aumentar lucros cortando no número, nos rendimentos e nos direitos dos trabalhadores, o capital conseguiu aquilo que queria: manter a produção a funcionar com menos trabalhadores. O mantra liberal de que é a iniciativa privada que gera emprego caiu de podre: o capital cria postos de trabalho na estrita medida necessária para corresponder às necessidades de consumo de bens e serviços da sociedade.
A falta de memória pode explicar em parte. O propósito propagandístico de querer aligeirar o caso, tratando-o como uma «pequena falha» de um «democrata sem papas na língua» também. Mas falta de memória e vontade de branquear tendências e tiques fascistas é coisa que não medra neste espaço.
Do leque de acções abusivas de Rui Rio enquanto presidente da Câmara Municipal do Porto, vem-nos à memória a retirada atrevida de cartazes de propaganda partidária e sindical. Claro que, na altura, após a devida queixa do PCP, a CNE agiu em conformidade passando o devido e humilhante raspanete a Rui Rio, obrigando-o à reposição dos cartazes. Refrearam-se dessa forma os ímpetos mandões de quem nunca deu mostras de saber conviver bem com quem se lhe opusesse, mas a praxis e a postura foram sempre na mesmíssima toada.
Está estabelecida, numa parte da sociedade, a ideia de que questionar o que quer que seja feito pelo governo no combate à pandemia é ser, na melhor das hipóteses, parvo, na pior, um negacionista da Covid-19. Considerar que esta declaração de Estado de Emergência e o que foi decidido no Conselho de Ministros não foram as melhores opções é um crime de lesa-pátria. Considerar que estamos a caminhar para a normalização do que deveria ser excecional, com Estados de Emergência atrás de Estados de Emergência, e a limitação das liberdades individuais, de associação e reunião, não é o caminho certo, parece ser um ataque vil a tudo e mais alguma coisa.
O capital fixo, a máquina, não cria riqueza económica se não for operada por uma pessoa. Só o tempo de trabalho roubado a um trabalhador, a que chamamos “exploração”, pode criar riqueza do ponto de vista do valor de troca, valor especialmente essencial para o funcionamento do capitalismo e do seu sistema de acumulação.
Tendo em conta que, para alterar o valor de troca, é necessária a transformação de uma matéria-prima em mercadoria por um processo de trabalho e que o valor de troca é definido pelo trabalho socialmente necessário para a transformação da matéria-prima em mercadoria, a substituição do trabalho humano por capital (substituição de ser humano por máquina) não cria riqueza.
Ao contrário do que nos têm enfiado pelos olhos dentro nos últimos meses, não há nada de normal nos tempos que estamos a viver. Isso não é de agora, é certo, mas a normalização de todas as medidas e mais algumas a pretexto da pandemia, por mais despropositadas que possam ser, são um risco que vem acentuar uma tendência securitária que vem fazendo o seu caminho, mais ou menos tranquilamente, desde os atentados de 11 de Setembro de 2001. Esta nova normalidade de distanciamento físico, que agrava o distanciamento social, de constrangimentos à livre organização e reunião, não pode ser vista apenas à luz da pandemia. Há mais aqui com o que nos preocuparmos.
Um trabalhador morreu. Morreu porque foi trabalhar e teve um acidente de trabalho. Tinha 51 anos. Trabalhava nos SMAS em Vila Franca de Xira há quase 30 anos. Trabalhava numa Autarquia Local e por isso, trabalhava em prol de todos nós. Chamava-se Luis e desde o dia do seu acidente (22 de Julho) lutou com todas as suas forças para resistir. Morreu no dia 9 de Setembro de 2020.