Ontem à noite, Marcelo saiu do Palácio para um passeio a pé por Belém. A semana tinha começado mal – com notícias que davam conta de suspeitas graves de pedidos de cunha –, a que acresceu uma inenarrável conversa com um diplomata palestiniano, da qual saiu pior que chamuscado. Mas agora, ao que tudo indicava, a semana terminava da melhor forma, até pela oportunidade de secundar as situações anteriores. Costa e o governo PS caíam com estrondo, ainda por cima num caso que envolvia o ministro Galamba, que tinha sido «demitido» por Marcelo mas mantido por Costa.
A torneira, o interruptor e o azul do mar
Já lá estava gente, já lá viviam pessoas. É isto que os engravatados do telejornal nunca dizem, tentando convencer o espectador de que o início do massacre em curso data do passado 7 de Outubro. Já lá existiam famílias, sonhos e vontades. É o que nunca ouvimos da boca dos finos fantoches do imperialismo, nos estúdios de Queluz de Baixo ou nas costas quentes de Tel Aviv. Já lá conviviam templos, culturas e olivais. Já lá nascia vida. Já lá se moía, há muito, o grão de bico, com um dente de alho, tahini e sumo de limão. Já lá se havia edificado um povo inteiro que, hoje, resiste à barbárie sionista. Os sonhos foram ceifados, os olivais, abatidos, e a Terra, que há muito não é santa, ocupada ilegalmente por essa vesana e assassina ideia de Israel, Estado genocida erguido sobre enxurradas de sangue palestiniano. Mas, à pretensa agência imobiliária divina, nada disto interessa: um livro místico com 2500 anos assegura, num diálogo entre Deus e Abraão, que a terra prometida não é para qualquer um.
Margarida Tengarrinha, a camarada que foi quantas pessoas fossem precisas (1928-2023)
“[…] não há futuro sem memória, que da memória das lutas do passado depende a nossa capacidade de resistência e de construção de todas as novas lutas, a memória aparece como uma espécie de dever, não só ético (ou até afectivo), mas sobretudo político” – Margarida Tengarrinha, “Memórias de uma Falsificadora: A Luta na Clandestinidade pela Liberdade em Portugal”, 2018.
Mr. Trocos
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
Carlos Moedas expressou, no passado dia 5 de outubro, a vontade de assinalar o dia 25 de novembro, o dia que consumou a contrarrevolução. O que ele não disse foi que, mais do que assinalar esta data, pretende, sim, menorizar Abril e as suas conquistas, bem como tudo aquilo que para o nosso povo representou. Os objetivos de Moedas são bem mais do que festivos, são políticos e partidários.
Palestina. Quando resistir é existir.
Há dias, em Lisboa, um grupo de turistas altos, brancos e de olhos azuis insultou vários entregadores imigrantes da Glovo que levavam bandeiras da Palestina nas suas bicicletas momentos depois da concentração em solidariedade com o povo palestiniano. Uma amiga, chocada, testemunhou tudo e contou-me o episódio, ontem, durante o concerto de Omar Souleyman. O músico sírio que ganhou fama a cantar em casamentos gritou várias vezes Palestina para o público. Entre a multidão, havia bandeiras da Palestina e os aplausos subiam de tom, assim como os gritos a favor do povo palestiniano. Em determinado momento, alguém, com um olhar de ódio, e sobretudo de derrota, atravessou o mar de gente com a bandeira de Israel no ecrã do telemóvel e abandonou o concerto. Tão só como a bandeira de Israel no castelo de São Jorge, tão só como os que se concentraram fechados num hotel para legitimar o genocídio de um povo. No fim do espectáculo, foram muitos os que se juntaram aos donos das bandeiras palestinianas. Portugueses e imigrantes gritavam juntos. Não é estranho. Como afirmou Ghassan Kanafani, “a causa palestina não é apenas dos palestinos, é uma causa de todos os revolucionários, das massas oprimidas e exploradas de nossa era”. O escritor maior da causa da libertação da Palestina, que escreveu sobre o exílio forçado do seu povo, foi assassinado em 1972 por Israel em Beirute mas assim tem sido durante durante mais de meio século.
O Rei vai nu!
«raiva que muito mais doce do que mel a escorrer
aumenta como se fosse fumo nos peitos dos homens»
Jornalismo, o elogio fúnebre
Diz-se que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade. E o jornalismo, que já corria perigo de vida, viu a guerra matá-lo e enterrá-lo, definitivamente, com a cobertura recente dos acontecimentos na Palestina. Ao contrário do que se esperava e discutia amiúde, não foram as redes sociais a matar o jornalismo, mas os jornalistas nas redes sociais a matar a sua credibilidade. O jornalismo parece ser secundário.
Gaza, o campo da morte certa
O levantamento da resistência palestiniana, nos últimos dias, contra o estado apartheid de Israel, fez voltar os holofotes das secções de Internacional dos media para o habitual branqueamento dos crimes de Israel e a diabolização da resistência palestiniana. Em primeiro lugar, pelo apagamento sistemático dos crimes de Israel contra civis palestinianos, que ocorrem todos os dias, sem exceção, há décadas. Em segundo, atribuindo ao Hamas todas as ações dos últimos dias, que envolvem também a morte de civis, procurando reduzir àquele movimento a resistência palestina.